Há exatos 23 anos, soava no Congresso Nacional o brado forte de Ulisses Guimarães, cujas palavras promulgavam a Constituição da República Federativa do Brasil. Mais que meras palavras, traziam consigo a ceifa que extirpava o passado dos anos de chumbo e conclamava uma nova era – a era dos homens livres, iguais e solidários.
Muitos episódios políticos marcaram a trajetória de nosso Florão da América, mas nenhum deles teve o condão de romper de fato com o passado – nem mesmo a independência ou a promulgação da república.
Sem nenhuma dúvida, no dia 6 de Outubro, os homens e mulheres acordaram e tiveram seus destinos mudados: filósofos não seriam mais discriminados, comunistas não mais sumiriam a noite, trabalhadores não mais veriam a confissão ser extraída das fibras de seus músculos, estudantes (tão novos) não mais maculariam suas costas com chibatadas dos militares, as ruas não mais seriam lavadas com sangue, a verdade não mais residiria na tortura, os muros não precisariam ser pichados às madrugas...
Eis que 23 anos se passaram desde que a Carta Magna Brasileira, também chamada de Constituição Cidadã, veio a lume desse povo que carrega no nome a expressão do trabalho. Contudo, mesmo com esse rompimento escancarado do passado escuro – e nunca mais retornável – de nossa nação, muita coisa há de ser feita e mudada. Noutras palavras, ainda existem, nas entrelinhas dos artigos da Constituição, direitos e garantias que precisam ser suscitados para contribuir com essa ruptura da ditadura, do Estado Totalitário – do medo.
Doravante, os homens e mulheres devem continuar a mudança que começou há duas décadas, seja para garantir um futuro melhor, ou simplesmente para honrar aqueles que deixaram cair sobre a terra as gotas de seu sangue silencioso.
Mas, se nem o passado nem o futuro nos motivarem a encarar os problemas de nosso país, que seja pelo presente daqueles que não desfrutam de alimento, dignidade, saúde...
Que de hoje em sempre, nossa missão seja a de não permitir que os preceitos de nossa Carta Maior sejam letra morta, mas façam-se concretos a cada dia. Não obstante, devemos erguer a bandeira e ir contra o argumento das normas programáticas, mas exigir desde já que os recursos surrupiados na corrupção de uns muitos politiqueiros sejam convertidos na concretização deste ideal.
Por fim, externa-se o nosso desejo de que a ingenuidade não nos tome e faça-nos crer que o povo (e aqui me refiro à massa) vá se preocupar com a continuidade dessa mudança. Deveras, quem cedo madruga para tirar o sustento, não quer mais que um descanso no fim de mais um dia-jornada.
Pois bem, se a estes não podemos exigir, que seja, pois, cobrados daqueles que têm (e tiveram) a chance de assentar-se nos bancos das faculdades ou dos templos em que a reflexão é plantada – chamados intelectuais.
Se daquelas humildes e cansadas pessoas trabalhadoras não nos é dado o direito de cobrar-lhes envergadura política, que seja, então, essa nossa sina enquanto intelectuais de um país de povo humilde: a de continuar construindo um Estado Democrático de Direito.
Mettre en pratique!